Vesti os dias como quem se almoça de sorrisos, abracei os orvalhos sem me molhar, apenas para sentir a seiva de um mundo e as lágrimas de nuvens que resvalam por montanhas. O mundo foi feito, um dia, de amizades sinceras e desprovidas de interesses, de alegrias em tons de pôr-do-sol. O mundo foi já um cercado de erva e flores, carvalhos e cores, onde se abraçam sonhos e se pulam anos e anos até uma nova vida, feita de tábuas e pregos enferrujados, de toldos de plástico e ramagens de giestas ou mimosas, de vira-ventos em cascas de eucaliptos. Houve tempo, ouve, para viver apenas por viver, sucumbir ao doce sabor de uma lareira. Hoje, hoje somos bons demais, honestos demais, humanos demais. O mundo foi simples, um dia, antes de nascer.
Pessach
“Pessach” Crónica do Nada , no Correio do Porto . O puto abana-se uno com a sineta que trina, o braço cansado pende como um ramo seco de árvore que sonha ser galho, anunciando vem aí o compasso!, a opa alva dança e as nuvens riem-se quando o vento lhe atira o resto da brancura pelas costas acima, embrulhando-se na cabeça. Não se demove, continua a badalar num esforço contínuo apenas vencido pela zelosa missão de, além de adolescente, ver chegar ao fim a madrugada procissão, solitária, a cruz acima e abaixo de caminhos, os verdes ao chão, as flores na mão, de cara fechada, uma madeixa dourada rivaliza com o sino zonzo já de tanta sacudidela firme. O vento desiste soturnamente, as nuvens deixam de joeirar a cena e dispersam num certo tom de desprezo, a opa solta-se e cai harmoniosamente sobre as costas arqueadas, mas não sucumbidas, tudo sem que o sino deixasse de tocar. A solenidade foi-se perdendo, sobra agora uma espécie de desejo que tudo termine e possa seguir viagem, arrancar um...
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