As nuvens vão descendo. Ou descem. Não se preocupam com formas ou tempos verbais. Nem ais. Descem. E eu sei que a chuva vem aí. "Em Abril é que vai ser!". As pessoas (et moi aussi) não farejam o ar, bebem em doses industriais a verborreia que a televisão vomita e sentem-se saciadas. Está comprovado cientificamente. As pessoas, existem. Embora não comprovado cientificamente, a estupidez, também existe. "Ouviste falar da ..., já viste?". E a pessoa não viu (e o pintinho piú), mas concorda, "era atirar com eles todos para ...", e tecem-se comentários, atira-se lixo ao ar, como se a atmosfera fosse um grande (des)aterro. As más ideias não se cheiram, mas entranham-se, comprimem a luz natural, nossa, e a artificial, do Sol, que chega sempre atrasada aos dias. Talvez isto seja a explicação. Para o quê não sei, mas terá significado.
As nuvens vão descendo, sei-o, farejo-as, com a vontade de meter pés ao caminho e galgar mundo, monte, sem deixar pegadas no solo, como se fosse um puto à procura de um brinquedo novo no atulhanço de sobras que palpitam na atmosfera.
Guardo o olhar que choveste, deixo as nuvens florirem nos pastos faustos do destino, tacteio mãos e escuridões em busca de um dorso com outras mãos. Curvam-se as curvas da estrada e as margens que me separam da madrugada. Empobrece-me o nada à sombra e resguardo da minha alçada, no noctívago sentimento de aguardar, à candeia ténue da Lua, o suspiro inaudível da vida no meu peito a ancorar...
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