Des(níve)is
Vejo-os desarrumados, nos passeios latrinados que ladeiam as calçadas, agora sem pátria, a arrumar, em movimento sincronizados (aqui chefe!), as pessoas veiculizadas das cidades...
Os olhares de tais indivíduos são plurais, habitam neles legiões de idos, de sombras sarjetadas de quem não se sabe, ainda, arrumado.
Se um carro aponta na curva, o assobio, a corrida cambaleada, o olhar esbugalhado na dose antecipada (uma ajudinha chefe, para um caldinho; como se lhe servissem sopa, às tantas da tarde, a quem se assemelha a um vegetal desenraizado de uma terra qualquer que o pariu) e a mão estendida, mão aberta que não fala, não ouve, apenas se estende e amortalha para, aos poucos, ir consumindo o corpo, primeiro de esperança, depois de mentiras e, finalmente, de tão vão e oco, o vazio.
É vulgar o vestuário, que nunca regra geral, ser de cor das noites geadificadas, esfarrapadas, onde o frio faz morada e habita onde quem o acolha.
O cheiro vagueia pelo ar, acredito que ele mesmo nauseado, dos tempos e tempos abandonados.
É difícil imaginar, sequer ver, qualquer horizonte emparelhado, seja com a solidão, seja com alguém, onde se acalentam os dias adormecidos e se partilham cartões, canelados, cobertores, vãos de escadas, esquinas capitais e, quando a noite se permite aquecer, um banco de jardim.
Pergunto-me o que me separa disto, deles, do cartão canelado.
Que mundos tão desnivelados existem dentro de uma só vida...
Tenho sede, vontade de orvalhar pelo mudo, pelos caminhos e estações de comboio desta vida.
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