Agosto começa com o início de Setembro, para mim basta.
Tenho os olhos abertos porque o Sol é filtrado pelas muitas nuvens no céu, mas, de facto, para que preciso de olhar? Este tempo faz-me fechar os olhos, sentir o vento frio de Setembro, ainda que em início de Agosto, cruzar os braços atrás da nuca, descalçar os chinelos, procurar um pouco de terra e erva com os pés e ficar assim... Permaneço imóvel durante vários minutos, quem me vê deve certamente indagar-se porquê, mas para que servem as opiniões alheias? O vento teima em soprar, abana algumas ervas secas e pinheiros. Os eucaliptos ao longe, por serem maiores fazem-se ouvir perfeitamente e, assim, não preciso trautear qualquer música. Nestes momentos tenho pouco em que pensar, na realidade, o facto de não pensar é o que me faz sentir tão bem, estar apenas a sentir, sem racionalizar nada, apenas sentir, entrar numa dimensão onde habitualmente não temos tempo de estar, permitir ser feliz, ou nem ser feliz, apenas ser, sem qualquer adjectivo, substantivo, metáfora, apenas ser e é quando já me soltei do corpo, quando percorro locais distintos com a mente, quando ouço vozes familiares e vislumbro mesmo sem ver paisagens que ainda não percorri, mas das quais tenho saudades, é nesse momento que o frio, meu precioso aliado, me envolve, me percorre dos pés à cabeça, me abraça como ainda não se abraça no mundo, fazendo-me sorrir ao mesmo tempo que um arrepio eriça todos os meus pelos, percorrendo todos os milímetros do pescoço até aos pés...

Não sei o que me faz mais rico, se a falta de ambição (vide dicionário) se a extrema ambição de um arrepio.

Vou estar ausente uns dias, não da vida, mas do blog. Agora que começo a sentir uma vontade interior de escrever, tenho que me afastar... Tenho mais um caderno que a Ana me deu, tenho também marcado alguns dias para me dedicar a outros projectos de sensações e escrita com o Norberto... Acho que o presente já existe, nós só lhe iremos dar um papel de embrulho lindo e uma bela fita com um laço :)

Parece impossível a quantidade de personagens que me levam ao colo, pela estrada, pela vida. Ainda não digeri todo um fim-de-semana dicotómico (sobre o qual escreverei) e surge um outro, no fim-de-semana passado, em que estive na Feira Medieval de Santa Maria da Feira. Não é difícil envolver-me em todo aquele manancial de personagens, entre as reais e as fictícias, para me transportar durante todo o dia para as vidas de todos os dias de todos os que se cruzavam comigo... Entre as personagens, surgiam várias perdidas, sem perceberem muito bem em que era estavam, abrigando-se nas tendas vazias e invisíveis que vi nos descampados, fugindo de cavaleiros de indumentárias modernas e olhando de soslaio e com receio para as pessoas com estranhas vestes, leves e coloridas. Surpresos por ninguém parecer reparar neles, foi hilariante perceber e ver que um, ao ver que eu o via perfeitamente, correr a avisar os outros... Andei com eles todo o resto do domingo, pareceram surpresos com algumas das coisas que viram, alguns não terminaram o percurso, foram desvanecendo-se e desde domingo que tenho apenas um comigo. Está junto com outras personagens, de outros tempos e histórias, mais confuso com o ambiente que vê e sente, mas faz-lhe bem esta aprendizagem à força, esta visita de estudo pelo mundo moderno... Daqui a pouco vou até à sala, tenho a janela aberta por onde entra um pouco de frio, cruzo os braços atrás da nuca, fecho os olhos e, neste momento em que quase adormeço, ele vai ver pelos meus, vai perder as vestes e o impulso do arrepio que sobe dos pés até à nuca vai levá-lo a saltar, daqui para lá, onde todas as eras se encontram...
Enquanto escrevia isto vi-o sorrir. Embora não saiba ler, sabe sentir ou aperceber-se do que escrevo, da mesma forma que a vida não nos diz "amanhã vai ser melhor", nós apenas sabemos que sim, amanhã vai ser melhor, vai ser muito melhor!

Gosto de poder trazer artefactos de sonhos em sonhos, de vidas em vidas, do momento em que eu, no futuro, gravo mensagens para mim mesmo no passado, onde o frio leva mensagens de nuvem em nuvem e abraça outras nuvens, apenas para não se sentir só...

Esqueci as quadras e versos que me rimavam,
soltaram-se da liberdade
a inocência
e as linhas que as ancoravam,
quanto cinzento cabe
nas rugas da idade?

Um numeral na condição
de ter nas têmporas
cãs e coração,
um quadro inacabado
na matéria-prima
de um sorriso
alado.

Comentários

MS disse…
... mas que bom que te sintas tão realizado e tão 'envolvido' por seres que te querem bem!
Votos muito sinceros que todos os teus projectos se cumpram com total satisfação :)

Hum! Arrepiaste-me com esse teu 'chamar' já por Setembro!!
... é que eu adoro o verão, embora ele ande tão 'arredado'...

É que Setembro, traz-me logo as fragrâncias do inverno :(

Sensibilizada pelo teu olhar em
'fragmentos'!

Fica bem,
Quando chegares. Avisa.

Bons sorrisos.

bjs
antónio paiva disse…
...

um acerto de contas, por via das metáforas, na prosa que termina em verso.

bom texto.

abraço.
aya disse…
Gostei de te ler...

beijo

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