Locais não localizáveis

Há músicas que nos colocam no nosso local, no lugar que é nosso, como se a música nos levasse de olhos fechados e sentíssemos apenas a brisa fria do céu profundo que sopra nos corações simples, para ao abrir os olhos vermos e os nossos corpos dizerem: "estou em casa".

É tarde, não tenho tido tempo para escrever e isto dói-me. Parece bizarro não ter tempo necessário para escrever apenas umas letras, mas... Mas tem sido assim, dias que começam cedo e terminam quando já o Sol entrou ventre adentro da noite. Hoje não é excepção.

Estou cansado... Perco-me imensas vezes, com a facilidade com que adormeço os sentidos ao som de uma viola ou de um saxofone, na ilusão complexa da minha necessidade do simples.

Recordo o dia do lançamento do meu livro... Perdido no trânsito, nas faces medrosas da raiva e nos laivos de loucura de pessoas com medo de ver vida, trago para mim, de novo, o momento, o odor, o sabor dos abraços que vão até à alma. Vejo ainda, porque tenho gravados nas pálpebras os momentos, todas as palavras e a frase que sempre proferi (e sonhei desde criança): "Um momento para ter os meus amigos por perto". Vejo-vos a entrar no auditório, a olharem curiosos como se todos fossemos crianças, naquele instante eu seria a mais nova criança, o olhar cúmplice, o aceno sorridente e a minha vergonha como um puto que recebeu uma prenda maior que ele próprio. Vejo-vos ávidos de ver as cores do papagaio que lancei naquela noite ventosa. Ali, naqueles minutos, todos fomos um só, raízes de uma mesma árvore, sonhos de uma noite chamada Amizade. Naquele dia fui Eu. Podia não ser (e sei que não foi) nada de especial, mas estiveste lá (ou aqui, no meu peito) e agora sinto-te aqui.

Sinto tanta falta, tanta... Sinto tanta falta de abrir os braços, receber as caras esquecidas, tratar todos os ventos por Tu, apertar a mão como quem afaga a alma.

Escrevo e olho para o canto inferior direito do computador, são 0:34 e daqui a cerca de 5 horas tenho que acordar... Por favor, inspira fundo, não demorarei mais que umas horas até chegar aqui, vestir o meu casaco azul (o casaco da escrita) e deixar que todos estes meus amigos, que me rodeiam agora vestidos de sonhos e paisagens que esqueci de visitar, me pousem a mão no ombro direito e sussurrem um segredo, daqueles que não sei, porque são escritos para ti.

Paro de escrever, leio e releio, sei que entre frases tenho palavras escritas e escondidas, não sei como, nem porquê. Vejo histórias iniciadas, sem desenvolvimento ou conclusão e questiono-me porque as deixo assim, talvez seja Eu, talvez seja eu. Ficam ali, como que esquecidas, a germinarem em cada momento que penso nelas, até ao dia em que me chamam, estendem a mão frágil e afagam-me os 32 anos de vida, pedem vida e vida lhes dou, porque não sei ser diferente nem sonhar vidas que não são minhas ou correr por estradas cheias cujo fim é o vazio. Gosto de as ver, encostar-lhes letras pequenas e quentes e perguntar “estão bem?”. Ai como adoro quando me chamam, sorrindo, com a cara encostada a uma reticência e um sorriso do tamanho de um parágrafo chamado Felicidade…

Venho já.

Comentários

MS disse…
Vim só para agradecer muito sensibilizada o teu olhar sempre delicado em 'fragmentos'!

Momentos 'diferentes' me impedem de exprimir algo mais!

Até breve!
Um beijo
São disse…
Um txto muito bem escrito e com imagens muito bonitas.
E parabéns pelo livro!
Fique bem!
Anónimo disse…
just a tear, rolling on my face... and a smile... gratitude in the heart..
just a hug... and a kiss!
Polly Jean disse…
não sabia do livro...
e texto mto bom..
e beijocas.
Isa Maria disse…
o teu texto é lindíssimo.
jinhos meus
Olá josé Miguel, lindo texto, simplesmente adorável...........
Beijinhos de carinho e trenura.
Miguel
Eu chamo-te, eu sorrio-te, eu leio com devoção os teus belos escritos e chamo-te amigo.
Todos os dias são dias de lançamento de livros quer eles sejam ou não um volume com folhas e com capa.
Basta que as palavras transmitam com força a sensibilidade da pele e dos olhos que não descuram a observação.
Beijinhos
Zé Povinho disse…
Por vezes fazemos incursões por nós mesmos, como se por momentos não estivessemos confinados dentro do nosso corpo. Sentimos ou adivinhamos os prazeres, descobrimos as nossas reacções. São momentos mágicos em que aprendemos a conhecer-nos.
Abraço do Zé
... disse…
Excelente texto, que nos faz sorrir. Muito obrigado pela visita e aproveito para desejar bom fim de semana.
Gosto sempre de parar por aqui.. de longe em longe para me abastecer de uma energia especial... sempre gostei de te ler.. das tuas palavras...
Porque me fazem elevar a outros confins.. porque me lembras alguem... porque me fazes também sorrir (ainda que chore) quando sei que as palavras que escreves dizem tanto em tão pouco... todos deviamos ter um pouco desta sensibilidade.. deste serenismo em nos!

beijinhos para ti
Silvia Madureira disse…
Que bonito...em cada palavra emana ternura...

Ternura pelos presentes pelos ausentes e sobretudo pelas palavras com as quais tu sabes brincar tão bem...

o teu livro continua na minha mesinha de cabeceira...

beijo

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