Um estendal


Acabei por não escrever o que queria, é sempre assim, "eles" decidem o caminho a seguir.
As pessoas com as quais me cruzo vestem uma alma pálida, até as mais idosas, que mesmo na cidade são do tempo em que a cidade era menos cidade, são pálidas, brancas e baças.
Flutua, está no ar, uma nuvem invisível de pessoas que já não são pessoas, pesam sobre o ar, imiscuindo-se na própria respiração de um qualquer transeunte, até eu.
A cidade. 
A cidade é cidade desde a idade média, ou antes, desde a idade em que necessitamos de estar em grupo, para nos defendermos de nós mesmos.
Um motorista indiferente abre a porta a indiferentes passageiros, pessoas acotovelam-se ajustando-se aos espaços vazios, acoplando um pouco mais das nuvens invisíveis baças dos que nos rodeiam, são raros os sorrisos, mas quando os vejo atiço-os, não os deixo esmorecer.
Alguém fala sozinho, uma senhora com idade para ser minha avó insulta outra, que pode até ser avó, “oh puta, deves ter os cornos largos”, porque a pisou ao sair do autocarro. 
Putos entram e colam-se a mim, as conversas variam no trinómio playstation-gajas-telemóveis. 
Em 100 pessoas, uma, ou metade, passa por mim e é serena, o resto, ainda que o tentem, trazem a agitação imposta.
Fico por aqui, de tanta nuvem parece-me que vai chover e eu quero adormecer seco, porque do lado de lá não há estendal.

Comentários

a analogia das molas de roupa com o texto é genial.A imagem poderia ser o retrato da rua...a diversidade...as cores...na tristeza e na alegria.

bjinhos

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