Spring tales
Há coisas que faço todo o ano, mas apenas reparo nelas na Primavera, têm uma magia que aflora apenas com o pólen verde que os pinheiros deixam.
As manhãs frias trazem orvalho, local de namoro entre a noite e o pó verde que voa nestas alturas. O meu pai apanha-me em casa e vem, com aquela cara de meu pai, cabeça baixa, corpo novo para a idade que tem e pergunta: "vais estar em casa?" Eu rio-me, "já estou em casa". Enquanto não digo mais nada ele fica calado, até eu perguntar "queres que vá a algum lado?" e aí ele fala, lentamente "se me fosses buscar umas placas..." e eu, que até nem me apetece, vou.
E revivo, nestes momentos, coisas que só afloram nesta altura, como as flores, talvez por ser Primavera.
Deixo o computador ligado, como sempre, mudo o estado do messenger, digo "até já" a quem quer que estivesse a falar comigo e saio.
A Farrusca fica sempre a olhar para mim, com olhar de perguntar e eu, em tom de desafio, simulo o movimento de correr e ela, doida, começa aos saltos, à espera que eu corra. Não me apetece, vou andando lentamente, com ela a saltar à minha frente e a morder-me as mãos.
As poças que tiveram água têm agora pólen, o vento agita um pequeno pinheiro no caminho e é giro ver o pólen bailar na esteira do vento.
A oficina está igual, apesar de não ser (muito) apegado às coisas, não consigo deixar de pensar que todos os tijolos que ali estão passaram pelas minhas mãos, em tardes de Verão, quando os vinham descarregar e eu, com a força dos 17 anos e os mesmos 1,90 mt, ia colocando-os em pilhas, mais ou menos alinhadas e sem disposição, até me ensinarem que existem regras para os alinhar, ainda antes de juntos com cimento nas paredes. Estamos sempre a aprender, não é mesmo? E arranco, com um pequeno papel no bolso, que diz "2 faia 3 mm 1 face + barata", não, não é iniciação ao Código Da Vinci, é mesmo para comprar duas placas de faia.
Há algum tempo que não conduzia a carrinha do meu pai. Lá, sinto-me como há uns 12/13 anos atrás, no topo do mundo, a ver os carros e a estrada de cima, com a diferença de não me imaginar num camião dos bombeiros ou da protecção civil. Sonho de criança.
Entretanto, sonhos à frente, paro a meio da recta da escola preparatória, onde andei uns 5 anos, para meter combustível (são 10 € fáxavor), mas tenho que aguardar que um senhor, de canadianas, passe no passeio (redundância), pé ante pé ante canadiana.
Ele passa e eu acelero, parando mais à frente e aí sim, são 10 euro fáxavor, não, não é preciso chave.
Enquanto o gasolineiro mete gasóleo (deveria ser gasoleeiro?), olho o senhor, idoso, de canadianas, que me olhe, um olhar penetrante, quente e naqueles segundos percorro as suas memórias de mão dado com ele, onde me mostra os tempos de criança, as comunhões, o casamento, os filhos idos que amparam menos que as velhas canadianas, as estradas de pó, as apanhas de milho, os regadios, as festas populares, os coretos coloridos com as bandas de música como coração, as noites escuras e os candeeiros a petróleo.
Em segundos, apenas em segundos alguém me mostra a vida, que carrega agora em duas fracas pernas, em segundos apenas.
Abanei lentamente a cabeça para sair daquele cenário e ele, que me viu de novo no presente, deitou um sorriso rasgado e piscou-me o olho. Acordei apenas ao "quer recibo?", "sim fáxavor".
Fui e vim buscar as placas, acabei por comprar dois rolos de folha de faia. Passei pela Ana, sem ela contar, coisas de adolescente, que ainda ficam bem agora. Deito um olhar ao pequeno ouriço-cacheiro morto na estrada e continuo viagem.
Há coisas que me acontecem todo o ano, mas apenas reparo nelas na Primavera.
As manhãs frias trazem orvalho, local de namoro entre a noite e o pó verde que voa nestas alturas. O meu pai apanha-me em casa e vem, com aquela cara de meu pai, cabeça baixa, corpo novo para a idade que tem e pergunta: "vais estar em casa?" Eu rio-me, "já estou em casa". Enquanto não digo mais nada ele fica calado, até eu perguntar "queres que vá a algum lado?" e aí ele fala, lentamente "se me fosses buscar umas placas..." e eu, que até nem me apetece, vou.
E revivo, nestes momentos, coisas que só afloram nesta altura, como as flores, talvez por ser Primavera.
Deixo o computador ligado, como sempre, mudo o estado do messenger, digo "até já" a quem quer que estivesse a falar comigo e saio.
A Farrusca fica sempre a olhar para mim, com olhar de perguntar e eu, em tom de desafio, simulo o movimento de correr e ela, doida, começa aos saltos, à espera que eu corra. Não me apetece, vou andando lentamente, com ela a saltar à minha frente e a morder-me as mãos.
As poças que tiveram água têm agora pólen, o vento agita um pequeno pinheiro no caminho e é giro ver o pólen bailar na esteira do vento.
A oficina está igual, apesar de não ser (muito) apegado às coisas, não consigo deixar de pensar que todos os tijolos que ali estão passaram pelas minhas mãos, em tardes de Verão, quando os vinham descarregar e eu, com a força dos 17 anos e os mesmos 1,90 mt, ia colocando-os em pilhas, mais ou menos alinhadas e sem disposição, até me ensinarem que existem regras para os alinhar, ainda antes de juntos com cimento nas paredes. Estamos sempre a aprender, não é mesmo? E arranco, com um pequeno papel no bolso, que diz "2 faia 3 mm 1 face + barata", não, não é iniciação ao Código Da Vinci, é mesmo para comprar duas placas de faia.
Há algum tempo que não conduzia a carrinha do meu pai. Lá, sinto-me como há uns 12/13 anos atrás, no topo do mundo, a ver os carros e a estrada de cima, com a diferença de não me imaginar num camião dos bombeiros ou da protecção civil. Sonho de criança.
Entretanto, sonhos à frente, paro a meio da recta da escola preparatória, onde andei uns 5 anos, para meter combustível (são 10 € fáxavor), mas tenho que aguardar que um senhor, de canadianas, passe no passeio (redundância), pé ante pé ante canadiana.
Ele passa e eu acelero, parando mais à frente e aí sim, são 10 euro fáxavor, não, não é preciso chave.
Enquanto o gasolineiro mete gasóleo (deveria ser gasoleeiro?), olho o senhor, idoso, de canadianas, que me olhe, um olhar penetrante, quente e naqueles segundos percorro as suas memórias de mão dado com ele, onde me mostra os tempos de criança, as comunhões, o casamento, os filhos idos que amparam menos que as velhas canadianas, as estradas de pó, as apanhas de milho, os regadios, as festas populares, os coretos coloridos com as bandas de música como coração, as noites escuras e os candeeiros a petróleo.
Em segundos, apenas em segundos alguém me mostra a vida, que carrega agora em duas fracas pernas, em segundos apenas.
Abanei lentamente a cabeça para sair daquele cenário e ele, que me viu de novo no presente, deitou um sorriso rasgado e piscou-me o olho. Acordei apenas ao "quer recibo?", "sim fáxavor".
Fui e vim buscar as placas, acabei por comprar dois rolos de folha de faia. Passei pela Ana, sem ela contar, coisas de adolescente, que ainda ficam bem agora. Deito um olhar ao pequeno ouriço-cacheiro morto na estrada e continuo viagem.
Há coisas que me acontecem todo o ano, mas apenas reparo nelas na Primavera.
Comentários
Adorei ler-te amigo. Saudades!!!
Bjs
Bom fim-de-semana!*.*
Cris
Como sempre que venho te visitar
encontro textos belíssimos,
repletos de maravilhosa sensibilidade.
A primavera é mágica,
e você me fez viajar
neste seu lindo texto...
Uma das partes mais bonitas que achei foi essa:
As manhãs frias trazem orvalho, local de namoro entre a noite e o pó verde que voa nestas alturas. O meu pai apanha-me em casa e vem, com aquela cara de meu pai, cabeça baixa, corpo novo para a idade que tem e pergunta: "vais estar em casa?" Eu rio-me, "já estou em casa"...
Mas todo o texto está maravilhoso!
Deixo para você uma citação
de Cecília Meireles,
que fala sobre a primavera:
"Levai-me aonde quizerdes.
Aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar
e a voltar sempre inteira"
Beijo.*Juli*
:)
bjs
adc
http://poemasdesarrumados.blogspot.com
Já tinha saudades..
Depois, com um texto deliciosa como este dá vontade de voltar já aseguir...
Não demores a postar! ;)
1 beijinho!
Lindas recordações "momentâneas"
=^.^= tarina
Que esta Páscoa seja uma época de renascer para uma nova realidade e mais sublime forma de ser cada um.
Beijos serenos amendoados.
A saudade me fez retornar
para te desejar:
Ŧєlίz 卫άѕcσα!
Cσєlђίฑђσ đα 卫άѕcσα,
σ qυє тrαzєѕ ρrα мίм?
"Єυ тrαgσ єм мєυѕ αcђαđσѕ
є ρєrđίđσѕ
σ ѕσrrίѕσ ρυrσ đα crίαฑçα,
σ gєѕтσ cαlσrσѕσ
đσ αмίgσ ѕίฑcєrσ,
α clαrєzα đσѕ ѕєฑтίмєฑтσѕ
єฑтrє αѕ ρєѕѕσαѕ...
Qυє αѕ ρєѕѕσαѕ
ѕє єฑcσฑтrєм ฑσ αмσr
є ฑα fέ, qυє ѕє rєѕρєίтєм
ฑãσ ѕó ฑα 卫άѕcσα
мαѕ α cαđα đία."
Beijo.*Juli*
um cheirinho de Miguel...tão familiar! Beijinhos e a Ana
Boa Páscoa!
Vim para te dizer que tenho conchinhas do mar para ti :)
São para os amigos!
LOLOL
... =^.^= ...