Rainy day #5

Ando para aqui a mexer de um lado para o outro no computador, sem me decidir a escrever... Abro o bloco de notas, escrevo e apago, saio e vou jogar "Solitário Spider", regresso, escrevo e apago, saio e vou dar uma vista de olhos nos meus documentos, nos ficheiros da pen-disk... E enquanto me mantenho longe do bloco de notas, todas as ideias surgem na minha mente, prontas a serem escritas, como se, inclusive, o facto de pensar fosse quase como escrever... Até que percebo que estou a procrastinar, a adiar, como se devesse escrever o mais perfeito dos poemas ou a mais fluente das prosas, afinal, escrever aqui é mostrar ao "público" e aquilo que mostramos diz muito de nós... E é assim que, dia após a dia, sem medo algum, me conheço melhor, estando atento a tudo o que penso, a tudo o que crio mentalmente. É como se vasculhasse o meu porta-cd's e visse que tenho alguns cd's riscados, demodées, que continuavam a tocar...

Tinha um outro texto para "postar", mas está no computador de casa dos meus pais...

Lá fora a chuva parou... Quer dizer, parou de cair forte, porque continua a cair, mas fraquinha :)

Saio do IDT e percorro os cerca de 30 km's até casa, o raio do vidro embacia, as escovas estão a ficar gastas e quando dou o pisca para a esquerda, especialmente quando chove muito, os máximos ligam-se :) E eu rio-me :)

Acho que parte de mim ainda quer, neste tempo, estar numa eira, sentado sobre palha e com as costas nos carolos de milho, saboreando uma sopa "de tudo", quente, a fumegar, o que me faz soprar de cada vez que levo a colher à boca... Parte de mim está a olhar para um cão, que dorme a meus pés, e ouve a chuva bater nos reforços de chapa da porta da eira... E enquanto o meu corpo se reparte por múltiplas dimensões, há um fio condutor que transporta as lembranças de vidas e vidas, a felicidade...

Confesso que me perco, por vezes, nas listas de emails e leio tudo e mais alguma coisa, de todos as temáticas... E dou por mim a espreitar pelas realidades co-criadas por várias egrégoras, pelos mundos complexos de ideais solidificados, pelas necessidades do ego em se agarrar à certeza de uma ideia que, tal como o vento, nunca está no mesmo local...

Este tempo tem uma magia qualquer, leva-me para todos os lados. Na pausa de um universo e outro, paro e encosto-me a uma parede com musgo, está molhado e uma pequena gota de água desce pela mão, pulso e entra por entre a camisa e o braço, chegando-me ao cotovelo, e aí acordo, desperto, apenas para dar mais um passo e ver-me noutro universo, num largo empedrado, com um fontanário ao centro e pessoas que passam cumprimentando-me... Noutras alturas vou parar a outros planetas, fico extasiado ao ver a quantidade de "vida" que existe espalhada por aí, dentro de mim...

Recordo-me de algumas horas de comboio, estar sentado, com um pé sobre o aquecimento (nos comboios antigos, lembram-se?), com o cotovelo apoiado no joelho e a cabeça encostada ao vidro da janela, onde a chuva caía na diagonal... Lembro-me do balançar das carruagens, do barulho das rodas nos carris, o passar as agulhas. Nestes comboios, apenas o pica-pica do revisor me trazia de volta, mal o ouvia, lá vinha eu a ondular pelo ar, como se fosse um balão atado ao comboio, descia, descia, descia até chegar novamente ao meu corpo e aí ficava, por segundos, a aconchegar-me, percebendo o que era o corpo, admirado e maravilhado com esta máquina...

Sim, este tempo leva-me para vários locais... Infelizmente, ainda não consigo estar a escrever as memórias passadas e futuras, neste corpo e neste universo, ao mesmo tempo que outro eu escreve outras memórias futuras e passadas de um outro eu, talvez escreva de um rapaz (bem, tenho que perceber que já tenho 30 anos) que está ao computador, às 0:28, rindo-se enquanto escreve umas letras...

Há tanto por onde ir... E, curiosamente, tanto onde estar sem sair de mim mesmo...

Agora tenho que ir, passou uma sombra por mim, instalou-se ao meu lado esquerdo e sorriu, disse-me que deveria dormir, que muitas das coisas que escrevi não escrevi, ficaram em suspenso, como se escrevesse apenas em pensamento e esse pensamento não tivesse, ainda, chegado à matéria... Vou guardar estas pequenas nuvens de pensamentos, de frases que estão já escritas, e guardá-las no olhar, pode ser que num outro momento, as mesmas saltem para outros olhos e eu conte histórias sem necessidade de as escrever...

Embora pareça difícil acreditar (pelo menos a mim é), todas as minhas pesquisas me levam a pensar que existe apenas uma coisa em tudo, e um milhão de possibilidades em nada... Capice?

Comentários

crispipe disse…
Capice!! Então não capice..........
Estavamos a falar de....??????
Anónimo disse…
"Não tenhas medo da vida tem medo de não a viver". Esta frase parece que foi inventada pelo autor dos textos. Este autor vive intensamente a vida e valoriza todos os momentos com primordial importância.

Que tenhas sempre esse fio condutor que faz a ligação entre a Terra e o sonho.
Isa disse…
Gostei da forma como escreves. Isso hoje é que foi conversar e dizer o que vai na alma, desabafos.
Votos de um bom fim de semana, embora chuvoso. bj
Anónimo disse…
Achei engraçado o teu correr de tecla q te levou a criar momentos de gd sensibilidade no meio de td uma baralhação q afinal nem é 'baralhação'... és tu! Somos todos nós! E em dia de chuva então...

Mt sensibilizada pelo teu olhar em meu espaço.

Bom f-s!
Anónimo disse…
mais um texto belíssimo. aproveita e espreita este blog, irás gostar, é de poesia...ao amor.

www.cardina-passagem.blogspot.com/
Isa disse…
Passei para te desejar uma boa tarde e deixo um beijo desta jovem (que tem mais do que trista e tais) hehehe. bj
mnemosyne disse…
Gostei de deambular pelos teus pensamentos...gostei deste monólogo...entender é fácil...basta sentir, deixarmo-nos suspensos no som das palavras que se despem... Um beijo :)
A. Marinho disse…
Caro amigo
Mais uma vez (como é hábito aliás) escreveste um texto fomidável...excelente mesmo...
Fica bem
Abraço
Serenidade disse…
Capice! Somos um de Um, somos uma multiplicidade de formas de Uma Um só. Um dia não será preciso escrever, todos saberemos tudo sobre tudo,aliás já sabemos, só que a courácia, o corpo, o materialismo exagerado, não nos permite percepcionar.

Um Beijo terno e sereno.
Anónimo disse…
Obrigado pela visita ao meu blog que aqui retribuo, gostei bastante da forma como conseguiste “materializar” o que todos nós inconscientemente fazemos quando vidramos o olhar e ficamos a deambular pelas nossas recordações e sentimentos. Um abraço, ficarei a aguardar a próxima viagem.
Anónimo disse…
Minha vez de deixar de novo um olhar bem afectuoso em teu espaço.

Mt sensibilizada pelo carinho poisado!

Votos de um excelente f-s!


bjs
lenita disse…
ola,
pq n escrever o k nos vai na alma!!
Alivia a mente e sentimos-nos bem. O importante e estarmos bem com nós mm.
gostei mesmo, continua... fica bem.
O sonho faz parte da vida!
BlueShell disse…
Gostei de ler este teu "devaneio": sim há tanto para onde ir, especialmente dentro de nós mesmos...
Adorei!
(tens de ver isso das escovas...não estarão gastas e a riscar o pára-brisas?)
BShell
antónio paiva disse…
..............
há dias muito piores ainda
compreendo-te
mas esta tua alternativa está excelente
...............


Abraço e boa semana

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