Obrigado

Dou por mim sentado, como sempre, a olhar para o monitor e a sorrir.
As ideias vão passando à minha frente e eu leio-as, revejo-as, algumas estavam já esquecidas. Outras fazem-me emocionar serenamente, de alegria. Fico perdido entre o que vejo e tento escrever tudo ao mesmo tempo, num só parágrafo, mas não consigo, porque mal começo a escrever algo, surge nova ideia e/ou episódio associada/o e tento fazer a conexão, saltando de uma história para outra, num enredo digno de uma novela, dessas novas que se fazem, que duram catrafadas de anos...
Vejo todas as imagens e por vezes sinto-me como se as visse no final desta etapa... Penso no que mudaria em relação a tudo o que fiz até aqui, mas também no dia-a-dia (é um bom exercício para antes de dormir). E em certas ocasiões o que mais receio é não ter feito o melhor que podia...
Todos damos o nosso melhor, pelo menos acredito que assim seja, e todos vemos que poderiamos ter feito melhor em determinada situação, mas é sempre sob a luz do que já aprendemos até o momento actual, ou seja, o que fizemos era o que pensavamos ser melhor na altura, isso apazigua a alma e é, sempre, uma boa aprendizagem: fui por aqui e podia ter ido por ali ou fiz isto e mesmo pensando que poderia estar mal, fiz o correcto.
No entanto, há frases que tenho receio de vir a empregar, futuramente, lamentando várias coisas que, fruto de ignorância, possa vir a cometer, como por exemplo:
- não ter sido sempre o melhor amigo que sei ser;
- não ter sido sempre o melhor amante/namorado/marido que sei ser;
- não ter demonstrado às pessoas que estou presente;
- não ter seguido o meu caminho apenas porque as pessoas não o compreendiam;
- não ter parado para ajudar alguém, apenas porque não queria ou não tinha tempo;
- não ter dito, olhos nos olhos, verdades dolorosas, apenas para não magoar, sabendo que a veracidade, dita por um amigo sincero, nos ajuda a crescer;
- não ter acreditado nos projectos vários de vida, apenas porque tive medo de arriscar;
- não ter parado para apreciar uma paisagem;
- não ter mostrado em gestos e carinhos aos meus pais e irmã a gratidão de me terem gerado e dado vida a esta carcaça;
- não ter dito aos meus alunos (Rozém, Alpendorada e EB1's de Felgueiras, Paredes e Penafiel) que os amo, que aprendi mais com eles num ano do que em vários outros anos de vida;
- não ter feito e agido como queria, apenas por medo do ridículo;
- não ter validado informações e intuições, apenas porque seria visto de forma diferente;
- não ter defendido os meus ideais, apenas por serem diferentes dos vigentes;
- não ter saído semi-nu quando chovia torrencialmente, apenas porque não tinha "lógica";
- não ter falado com um deficiente, mendigo, velho, delinquente, prostituta, apenas porque eram rejeitados pela sociedade e esta poderia falar mal de mim;
- não ter seguido um rumo apenas para poder seguir outro que me desse o estatuto e reconhecimento, elevando-me na sociedade, comparando-me com outros;
- não ter ajudado baseado em juízos prévios de valor;
- não ter sido, sempre, eu mesmo.
São várias as coisas que nos podem vir a causar amargos internos...
Olho para trás e há, de facto, algumas coisas que não fiz... Mas essas mesmas coisas, para as quais olho sem emoção negativa, permitiram-me moldar e conhecer a mim mesmo, para que possa agora trabalhá-las e alterá-las, rumo a novos conhecimentos...
Sei que à lista enumerada anteriormente poderiam ser adicionados novos pontos, aqueles foram os que me lembrei e que espero nunca vir a pensar ou sentir na sua totalidade quando o meu corpo disser "já está, segue agora tu"
Mais uma vez escrevi sem ser isto que desejava... Estive a falar com uma antiga aluna minha, de Alpendorada, e senti uma imensa felicidade e saudade, mas uma saudade sadia, de saborear os momentos que passei na escola, a felicidade de ser eu mesmo e isso se reflectir na relação com eles... Olho para trás e recordo a emoção da missa de finalistas, o entrar na escola para o jantar/baile e ter alunos à minha espera para entrarem de braço dado comigo, os momentos em que eles me torravam a paciência nas aulas e eu simplesmente não conseguia cumprir o planeado, ou quando eu ia terrivelmente de mau-humor e eles, com as suas diabruras e o seu jeito de ser, me faziam sentir melhor, ou a cara de tédio deles quando eu passava algum tempo a dar teoria, ou quando dizia algo em calão e eles riam e ficavam admirados de um "prof" falar assim, ou quando eu desligava a internet para eles prestarem atenção e eles amuavam... Tantos e tantos momentos... Todos eles e elas seguem nos seus caminhos, eu tive a imensa felicidade de me poder cruzar com eles, de ver a minha vida partilhada com eles num ano lectivo, de ver, sentir e compreender as suas alegrias e frustrações e a imensa vontade de eu poder andar, de escola em escola, como escritor (tá bem táááá) a conversar com eles, a incentivá-los a serem eles próprios, a aceitarem a vida deles e meterem mãos à obra para a moldarem segundo o que têm de melhor, a amarem com todas as forças, a viverem e aceitarem os sentimentos, a nunca desesperarem quando a vida assim lhes pede... Temo que isto seja apenas um sonho lindo... Nada mais...
Et voilá, escrevi algo mais que não contava... E fico também com um sentimento de que tenho ainda tanto para escrever, sobre as aulas e não só, mas as minhas mãos pararam e olharam para mim, cansadas, abriram-se e algumas rugas formaram-se nas suas palmas, em cada uma está uma história, um episódio, narrativas em forma de amor, que desaguam no meu coração e bombeiam-me a alma de alegria. Obrigado.

Comentários

A. Marinho disse…
Deixa-me que te diga que há alunos que têm saudades de ti e te relembram como uma pessoa impecável. Renovo o convite para apareceres por Alpendorada e recordar os velhos tempos...
Um Abraço!

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