Atitude

Vinha aqui, prometi a mim mesmo e a quem me ouve quando falo sozinho, apenas para colocar uma fotografia... E não consigo... Sento-me, fico com sono, a cabeça ondula um pouco (felizmente não bebo) e logo esta sala ganha vida própria. As paredes começam a agitar, como se as visse através de um aquário, ondulam, possuem a sua forma, mas menos densa. Tenho vontade de tocá-las com um dedo, para aferir se estão mesmo num estado gelatinoso ou se eu me terei enganado nas ervas do chã... Mas não, é cidreira de facto na caneca "Sailing to Philadelphia-Tour 2004-Mark Knopfler"...
Permaneço assim algum tempo... Vejo o ondular das paredes, dos objectos e começo também a ondular, a sentir-me em estado gelatinoso (e não é falta de banho... Hum, talvez um pouco de banha)... Enquanto luto com a sensação de controlar o corpo físico, a necessidade de sentir que eu o domino, tudo à volta parece ganhar uma tonalidade mais clara, não brilhante ou daquele branco pregado pelos místicos, apenas mais clara... Abandonei a sensação de controlar o corpo, deixei-me seguir pela ondulação e, aí, tudo ganhou mais consistência. Tirando o facto de eu estar em pé, ou sentir-me em pé e ver-me sentado, tudo parece normal. As paredes deixaram de ondular... De facto, quando olho através delas, as mesmas parecem desaparecer... Não resisto e toco na parede. O meu dedo indicador entrou uns milímetros na parede e senti um pequeno formigueiro, algo frio, com a sensação que a parede existe, mas menos densa do que aquilo a que estou habituado. O computador continua a emitir os sons e a luminosidade, mas parece um pouco baço, obscurecido por algo que o cerca... Olho com atenção e vejo o que parecem ser pensamentos, enraízados... Consigo ver inclusive o que são... São emails... Centenas! Que permanecem agarrados ao computador, ao teclado, ao monitor... Passam sempre em claro quando limpo este velho companheiro... Pensei num pano e eis que o mesmo surge na minha mão translúcida... Nah... Não preciso de pano algum, sei que basta pensar e eles saem. E assim fiz, pensei no melhor para os pensamentos (que não faço ideia do que seja) e eles desvaneceram-se... Era emails, pensamentos e emoções ainda agregados ao computador que, coitado, não podendo limpar-se a ele mesmo, ao contrário de nós, que ainda fazemos um desporto ou um hobbie e esquecemos aquelas "formas", fica com aquela "sujidade" acoplada... Hum... Creio que consigo ver melhor agora os autocolantes, especialmente o "RFM-Mark Knopfler-Miguel Gomes" de que tanto me orgulho :)
Aproveito e percorro a casa, apercebendo-me melhor nos objectos e em mim mesmo, o quanto de mim não sou eu, o quanto de mim é também emocional que se colou... Hum, faz-me pensar... Atitude... Sim, atitude, é tudo o quanto é necessário... Para quem gostar de ser minimalista, pode simplesmente "ser" ao invés de seguir mestres e gurus, seitas e religiões, basta ser nós próprios para sermos autênticos, aceitando-nos para não necessitarmos de sermos aceites... O quanto nos tentam vender e convencer (com boa fé e intenção, acredito) que precisamos desta e daquela técnica, deste ou daquele curso, deste aquisição ou libertação de conhecimento, desta ou daquela cidade, deste ou daquele livro para obter qualquer resultado, para nos ajudar no que quer que seja... Nada de errado em livros ou técnicas, desde que utilizados porque assim nós queremos, não porque necessitemos, mas porque desejamos, porque nos facilita e catalisa o nosso processo, seja ele qual for: estudar, trabalhar, lavar a louça, montar uma porta, energizar-mo-nos, etc...
A leveza deste estado é incomparável e incompreensível... Creio até que o raciocínio toma outra dimensão, penso mais e além de mim mesmo, parece que os meus pensamentos se expandem pelo Universo...
Creio ter atingido o limite para esta noite... Auto impus um limite ao ver as horas... O meu corpo precisa de um descanso mais eficaz que digitar estas linhas enquanto uma outra parte de mim explora, novamente, este espaço...
Atitude... Sim, atitude...
Gostava de poder escrever sem limites, não me ver preso à velocidade a que os dedos conseguem premir um conjunto de letras, espaços e pontuações, mas deve ter o seu motivo... Escrever, falar, o que pensamos e vivemos faz-nos viver ainda mais convictamente o que se pensa, mesmo que por vezes seja para reciclarmos o que sabemos por algo novo, para aferirmos que as nossas velhas emoções estão gastas e não precisamos delas, quem diz emoções diz meias, calças, revistas... Não que não possamos continuar com elas, mas podemos não querer sentir e viver o que elas nos avivam...
Falar... Escrever... É difícil... É complicado, porque o que quer que possamos escrever pode ser subvertido, pode ser mal entendido e, assim, para não se ser mal entendido, há que escrever e negar, deixar sempre o leitor com a possibilidade de utilizar e/ou rejeitar o que lê...
Também dá mais autonomia, pois não se diz ou escreve: "é assim que deves fazer, comer, sentir, viver", mas sim "oh, sei lá, eu nem sou daqui, mas vê lá se faz sentido, para mim é válido, o que não quer dizer que para ti não seja, experimenta e depois ensina-me também"...
Por isso, sei lá, eu nem sou daqui... Ajuda-me a compreender cada vez mais, mas cuidado, não me venhas dar sermões se tu, primeiro, não aplicares algo novo, não me venhas falar com os braços cruzados, a cara carrancuda, dizendo apenas "oh, está mal, está errado", sem me explicares muito bem o porquê da tua exposição...
Às vezes confundi-mos teimosia salutar (cepticismo moderado ou apenas prevalecer firme nas nossas convicções quando não temos a certeza da validade aos olhos da nossa verdade de uma nova verdade que se avizinha) com burrice (egocentrismo puro e duro, gostamos de sofrer, de lamber sempre a mesma ferida sabemos apenas o quão é reconfortante, esquecendo o quão bom é não ter a ferida), eu sei, fi-lo e faço-o algumas vezes (orgulhosamente tento fazer cada vez menos) :)
É tarde e vou dormir...

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