Demência, carência, compaixão e amor...

Entrava há dias num local. Ou melhor, antes de entrar. Percorria um pequeno passeio em cimento e cumprimentei duas pessoas, dois senhores, um deles já perto da senilidade (deve ser a consciência com pouco domínio sobre o velho corpo, vá-se lá saber porquê). Reparei que, ao passar por ele, esboçou um sorriso e me estendeu a mão que, para minha surpresa, era mais firme do que eu pensava, fazendo face à sua condição já algo débil. Senti, dessa primeira vez, um calor que me subiu pelo braço, algo confortável, agradável. Não consegui compreender porquê. Durante alguns dias reparava na quantidade de pessoas que por ele passavam e que não cumprimentavam, nem ele, tão pouco, erguia a cabeça e o juízo perdido nas indagações de quem é velho e sabe que o é (porque há quem pense ser velho e não o é, gente que a chama, ao longe, mas ela não vem). No outro dia, mais pessoas passaram, não o cumprimentaram, mas quando eu me aproximava, ciente de que ele estaria a dormir, não estava a pensar tirar a mão do bolso, quando ele ergueu a mão dele e a estendeu para mim. Ficou atónito. Afinal, quem será o demente? Ou o senil? Cumprimentei-o. De novo o calor pelo braço, como se o mergulhasse em água tépida. E penso, o quanto nos custa um gesto de carinho para com os outros? Um sorriso, um olhar, um aceno. Apenas, por vezes, um bom pensamento é suficiente. Um pensamento que não avalie nem julgue. Apenas o prazer de ver alguém sorrir. Apenas o prazer de dar-mos, a nós mesmos, a oportunidade de sorrir e ser feliz.
Nenhum gesto de carinho, caridade sincera e construtiva, compaixão, paz e amor, passa invisível a esta espécie de lei da física "acção - reacção". Seja com humanos, seja com animais, seja com a Natureza. O que faço, ser-me-á devolvido.. E sim, o que faço pode ser consequência de algo que tenha feito antes. Mesmo que não recorde. Vale a pena avaliar o porquê de todas as situações, de todos os sorrisos, de todas as lágrimas, de todos os amigos, de todos os inimigos. E que tal se terminássemos ciclos viciosos de raivas, ódios, invejas, baixas autoestimas, mediocridade? Tudo o que nos mina a relação com os outros e com nós próprios?
Curioso, tantas coisas que gostaria de dizer, escrever, mas os pensamentos, por vezes, viram de direcção, parecem pequenos recados que me são colados ao raciocínio, ora vem um recado para aqui, ora vem outro recado para ali. E muitas vezes vêm recados para nós mesmos, mas nós não os queremos ver.

Comentários

Anónimo disse…
muito à frente...e... tão à mão!
Farraj Faruq disse…
Gostei imenso... a forma como descreves os momentos, acaba por nos transportar para os sentimentos.
ab

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