Vestido branco

(o título deste poema foi, inicialmente, "sugerido" alterar para "vestido branco", não era este o verdadeiro título... nem da personagem)

A soleira é fria e dura, como aquela estátua no jardim,
entretanto aparece um qualquer estranho, timidamente dizes-lhe que sim
e os sonhos, murmuras entre dois flocos de neve, onde estão?,
transformam-se agora em nada, o escudo do granito que te chama solidão.

Tens cabelos sujos, longos e pretos, envolvidos em neblina branda,
o corpo abraçando o próprio corpo, a mão pequena e fina apertando a esperança,
uma insignificante sombra a teu lado, a imagem nítida que a luz do candeeiro te dá,
em tons de pastel, serão os meus olhos, ou és tu ideia do que já não há?

Passam vultos por ti, não olham, tu dizes que precisas de ajuda, carinho
e eles chamam-te puta, batem-te, cospem, olha! Aquele pedinte deu-te uma garrafa de vinho!
Sai desse mundo, deixa-me dar-te a mão, não é oportunidade é sinceridade,
mas ninguém te alcança, estás longe, um corpo vivo nesta morta cidade.

São agora os fantasmas do presente, porque o passado já lá vai,
erguem-se entre as frinchas do pavimento, como um prisioneiro que escapa,
mas de lá nunca sai.
As paredes conhecem-te bem, não são confidentes, são apenas rugas na tua mão,
o verde dos canteiros, o húmido chão de veludo e o calor da lareira para teu coração.

Tão cedo começou a morte, aparecendo como um qualquer desígnio de um deus tempestuoso,
com a rede grossa e pesada, malha metálica e uma estrela que te sorri e dá gozo.
Chamaram-lhe inferno e tu sabes o que é, a opção do destino, o dado lançado por teus dedos,
em que viver é arfar, morrer aos bocados, sobrevivendo, resistindo aos medos.

E agora? Sim, agora, que fazer?
Afundas tua face martirizada no escuro, nas tuas mão uma concha
e escutas o som do mar, o banhar de sol as ilusões, mexer com os cabelos uma onda.
Lá está tu a sorrir, quem te vê não observa, a ausência do sofrimento na dor,
como se te fosses levantar, virar costas a essa vida,
arranjar alguém que não te queira, mas dê amor.

Chove, não dás fé, para ti já é uma amiga, arrefece o tórrido calor da alma na noite,
um pequeno riacho forma-se à tua frente, um homem qualquer tenta dar-te um açoite.
A flor que tinhas no cabelo, essa rosa branca caiu... Alguém a pisou...
e choras abraçada a ela, como se fosse uma filha, um grande amor que se ausentou.

Já não chove, é o dilúvio! E a rosa, flor, já não volta,
sonhos e ilusões, pensamentos e miragens,
tudo é agora sombra do voar de uma bela ave livre e solta.
As pernas tremem, mas tu insistes, queres ver, de pé, a chuva a cair no chão
e a dançar nos teus olhos, à flor da tua essência,
está uma bela menina que revive a estreia do branco vestido na sua primeira comunhão.

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