These mist covered mountais

Regresso a casa e vejo a neblina em torno das montanhas, não muito altas, com muitas casas, à boa maneira escocesa, daquilo que chamam "mist covered mountains".
O termómetro do carro assinala 30º C, um ar bastante abafado para as 21:00 tolda-me o raciocínio (se não é o calor é o frio) e vejo o nevoeiro. 
Nevoeiro? 
Parei o carro numa curva, do lado exterior, com vista para uma parte do Vale do Sousa, contemplando a paisagem, as casas como cogumelos, algumas estradas e aquele nevoeiro. 
Nevoeiro?
Não era nevoeiro, não, era fumo, despojos dos incêndios que lavram por estes lados, fumo misturado com suor dos heróis ou bombeiros. Da janela, porque é noite, vejo umas labaredas que se estendem ao longo do contorno do monte, o fumo é laranja e eleva-se no céu escuro, como se fosse uma grande fogueira de São João. Pelo meio estão homens abnegados que travam uma luta desigual. Amanhã, antes de sair para a escola, devo ver novamente "this mist covered mountains", mas este nevoeiro arde, não me permite abrir a janela e sentir o seu frio, não, arde, faz doer os olhos e quando ele se levanta ou dissipa, a paisagem que descobre faz doer a alma. Não é preocupação nossa, para quê? Natureza? Incêndios?

As pessoas estão ocas de valores, privadas dos seus sonhos, são fruto apenas da m**** que lhes enfiam através da televisão, das revistas. São marionetas movimentadas por cordas de uma guitarra tocada por energumenos, daqueles que poderiam fazer algo em prol das pessoas e não em prol da sua conta bancária, do share de audiências, são ocos. São falácias ambulantes, crentes apenas na progressão da sua carreira, de um deus qualquer, com letra minúscula, que observa do alto, de todo o lado, que "proteja os meus quando precisar".

A coerência não faz parte do dicionário de cada um, pelo menos de muitos que conheço... Existiram culturas que exultavam a seriedade, os valores pessoais, a honra, a ética (uma ética muito além da subserviência dos dias que correm), porque caíram?

Como é possível passar ao lado de problemas, varrê-los para debaixo do tapete, sentir o cheiro a m**** e nada fazer para limpar e desinfectar. Vivemos o medievalismo mental, cheira mal, não há ideias, varre-se a m**** para debaixo do tapete e continua-se a dançar sobre ela, pisando-a, sentindo o cheiro fétido, mas sorrindo pois não se vê.

Sente-se, mas não se vê.

Mas para quê preocupar? Não é meu problema. Arde e depois? Quase me consigo imaginar com os pés sobre o tapete e calcando a m****, sorrindo de desdém para alguém com uma preocupação diferente, com ideias e ideais e dizendo "isso é utopia".

A utopia é apenas um termo utilizado para nos desculparmos e fugirmos de uma ideia válida, que no entanto nos irá obrigar a mudar as nossas prioridades, que permitirá deixarmos de olhar para o nosso umbigo.

Quero estar aqui para ver a reacção das pessoas quando o verdadeiro nevoeiro se dissipar.

"These mist covered mountains
Are a home now for me
But my home is the lowlands
And always will be
Some day you'll return to
Your valleys and your farms
And you'll no longer burn
To be brothers in arms"
(...)
There's so many different worlds
So many different suns
And we have just one world
But we live in different ones
(...)"
Dire Straits, Brothers in arms

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