Entre Paredes

Texto para momento/evento em Paredes (declamação de Fernando Soares).

Entre paredes, o que nos segura? O tempo em tudo perdura. Nas raízes de um abraço na natureza rendida a um românico ascendido. A paisagem envidraçada do tudo que nunca esteve perdido.

Os degraus cambaleiam enquanto ascendemos, jovens, moldados pelos nós que em nós nos identificam. Dominámos montes, vales, escarpas, o passado vislumbrado num momento, o quanto de cada um se transforma monumento.

No ouro cravamos o trilho, minando o leito de um mundo. Entre os braços boleados e aplainados cabe um conselho, cabe um segundo.

O Sol inclina-se e debulha-se, há caminhos a percorrer de olhos cerrados, cumes, arquivoltas voltadas ao íntimo de um reduto. Aqui, cada um é de si mesmo fruto.

O sorriso amassa-se numa regueifa, a romaria traz da fé a sua ceifa, o bastão caminha o romeiro, o céu suspira-se o dia inteiro, arfando-se ao abismo, inspirando-se ao misticismo.

Um harmónio escuta-se a cada dedilhar nas paredes do património, quem nos disse que o passado não seduz? Saberia de que lado da vida pende a sombra da luz?

A juventude prostra-se num salto, há um limbo escondido no alto. Uma tranquilidade que inebria, um sorriso na esquina romba de cada dia. A sagaz admiração da toponímia talhada e debruada nos olhos de gente, que nos olha de frente, na contemporânea medieval do ido, na alma de um povo urdido. As paredes que ensombrecem os passos romanos, as pontes onde ao silêncio se confessam os divinos profanos.

O subterrâneo doura o perfil, um pormenor o divino ousa, o universo reflecte-se hedonisticamente em águas de sousa, sem temporizar a temporalidade, apenas a paisagem irregular de tudo o que faz respirar. Onde mil ergueram muros, cá nascem sem paredes, puros.

Agora, o braço ascende e a trémula claridade no gume de um formão adormece sob serrim, um beijo cândido e inocente entre o não e o sim. O suor que se prende ao braço, o abraço ancestral entre a lâmina e o banco abandonado que o passado ilumina, o percurso bruxuleante de uma goiva que entalha a saudade numa flor, escreve-se bem a direito a linha de um destino, final da tarde anunciada pelo sino, dobrado, na alvorada de um futuro chegado.

Entre paredes habita-se a liberdade do que se sente, porque cá há mais, muito mais do que gente.

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