Possivelmente possível
in BirdMagazine, 20/11/2016
“Possivelmente
possível”
Por
entre os pingos da chuva, na infinidade de espaços onde a água não
se liquidificava, raiava o silêncio como se a estrada que nos levava
lá fosse toda ela feita de soluços, como as sandálias a
comprimirem o cascalho ou a túnica sacudida num vai e vem de
gotículas a salpicar todas as outras que caíam.
Quando
o tempo se sobra e se permite a veleidades veladas a quem não se
dispõe ao acaso, tudo sobra para que até as tardes de Outono
saboreiem sossegadas o aroma tépido de uma mão cheia de castanhas
e, depois, o enfarruscado abanar das palmas, uma na outra, a modos de
corpos de gente que se degusta.
Não
há muito a redigir para quem, talvez como eu, uma ensolarada
crepuscular idade basta para enternecer a visão gasta e os sentidos
desapurados.
Talvez
por isso me perca um pouco a saborear o ruído do solo que se
esmigalha a cada passo que dou pelo monte.
Desconstruo
as estradas por onde passo, faço por nem piscar os olhos, não me vá
fugir paisagem quando as pálpebras se dedicam a claquear o horizonte
como dando ordem ao cérebro gritando “acção!”.
Desconstruo,
também, o futuro.
Voto-me
à solidão como se apenas no calar da voz ouvisse e houvesse aquela
miríade de possibilidades que se soltam de uma inspiração, de uma
expiração, onde a sinceridade e honestidade típica do vazio
prevalecesse.
Rio-me
com o desequilibrar típico de quem se desvia de carreiros de
formigas ou de gafanhotos que, garbosamente, exibem diferentes
tonalidades como tontos e desconexos arco-íris monocolores
precipitando-se entre mim e o verde acastanhado das folhas que se
deixam outonar.
Há
uma ou outra sardanisca, osga para os leigos, que corre assustada por
entre dois ou três restos de ramos de pinheiros, pedras, por debaixo
da caruma quem sabe imaginando-se de onde tal adamastoreidade possa
surgir.
Detenho-me
num ou noutro pinheiro, sem as histórias que me suportam ou as
palavras retratadas nos olhares de quem não se lê, para por
momentos sentir na face a aspereza subtil e cuidada da casca resinada
e resignada de quem vê o tempo passar e sorri, caruma ao vento,
pelas intempéries que assolam a orla marítima de quem se observa
por entre o mar e o mundo.
Os
dias pequenos correm lestos, primeiro pela madrugada madrugadora,
depois ao subir do calor possível que o Universo catatónico
permite, para vir depois por aí abaixo até se deter no alaranjado
atonado céu, onde as nuvens brincam aos padrões e se esgrimam em
rendilhados pedaços de imaginação que me fazem, agora com frio,
sentir que o dia se vive quando se deixa ser, dentro da
possibilidade, possivelmente possível ou, matematicamente falando,
reciprocidade de uma hipótese sem tese.
A
Lua viu-se e desejou-se para nascer a poente de um horizonte, mas
destinou-se que, como o caos, as palavras se permitam orbitar o cerne
de um parágrafo crucificado.
Assim
foi o desfocado ocaso, na cruz ou apedrejado, por entre pares e
ímpares. mantenho-me aquecido no istmo que separa o falado e o
calado.
Não
havia espaço para mais, a metáfora terá que servir para o espaço
incólume que deixou pendente porque, como sempre, não se sabia
escrever e quem o poderia fazer, não o sabia ler.
Comentários