Vindima
Vindima, a minha crónica do Nada, no Correio do Porto. Acessível, também, aqui: https://www.correiodoporto.pt/prioritario/vindima A apressada corrida pelo mosto, que se escorre na madrugada manhã nublada, no asfalto fresco de uma encosta de aluvião, depois do nevoeiro fumarento da semana votada aos incêndios apadrinhados por interesses órfãos, obriga-me a travar a carrinha a meio da subida numa incógnita freguesia de Souselo. O barrigudo vindimador sorri, apanha o cacho de uvas brancas, caprichosamente prenhes de néctar adocicado, cujo melado escorria pelo grosso braço de calceteiro e se prendia à camisola desportiva, que com um encolher de ombro puxava à razão. Sorriu-me bonacheironamente, na ignorância de uma existência terrena e que, talvez por isso, se viva de forma mais humana, desprendida, na verosímil cadência de um dia a seguir ao outro. Um pequeno Kubota, conduzido despreparadamente, olhava os socalcos de soslaio, na certeza de nada se perder a quem sabe vir...