Caminhos

Crónica na Bird Magazine, 15/01/2017

Chego a um caminho que percorri de sacola às costas durante os anos da escola primária (saudades e reconhecimento à professora Eugénia e à Srª Rosalina, cujo sorriso ainda me cativa). Os campos tímidos e nus. Resta a presa de água, o rio e um pescador. Parece-me ver os marmeleiros do lado de lá do rio, os mesmos aos quais puxávamos os ramos na ânsia de apanhar algum marmelo. O caminho está mais largo, ainda de terra batida, rasgado para dar passagem a qualquer carro que deseje levar o seu dono pelo meu caminho da escola.
O sol cobre os campos saciados e convida a parar um pouco. Pergunto-me se a mina ainda está no mesmo sítio, se ainda tem rãs e quase me convenço a ir lá, tirar as ervas, afugentar as rãs e beber. É engraçado, não é? Não há nenhum caminho por onde tenhamos passado que não possua ainda os nossos passos. Tenho vontade de ficar sentado ali, a ver-me passar para a escola, neste caminho onde o passado e o presente se cruza, onde os meus olhos ficam rasos de água, apenas porque sou feliz.
Grande parte do caminho está tapado, o mato, silvas, eucaliptos e fetos cobrem o que antes era um carreiro de terra e onde se via passar uma ou outra raposa. Pergunto-me se a descida tem ainda a pedra em forma de V, onde eu passava rapidamente com a bicicleta e os pedais alinhados na horizontal, para que não batessem nas faces da pedra. As vezes que falhei e caí!
Poderia jurar que ainda por lá andava, eu e os meus amigos, de bicicleta ou a correr, com a mochila a empurrar-nos perigosamente na descida pensando sermos os "Heróis da esquadrilha", o "Justiceiro" ou "Os soldados da fortuna". Existe ainda o aqueduto de pedras rudes e frias, que levava a água de uns campos para outros e onde bebíamos água ou nos aventurávamos, qual "MacGyver", a saltar de pedra em pedra, desejando não meter um pé na água. Ou os dois.
Um muro com menos uma pedra que o habitual deixa verter um fio de água limpa. A sede convida-me, mas a prudência social da ténue linha da sanidade mental impede que eu pare o carro e beba.
Um marco coberto de musgo. Se tivesse o meu bloco sentar-me-ia ali. Depois começava a olhar para as folhas pautadas e brancas, convidando-as a mirarem a paisagem, para que pudessem ver o que vejo e não apenas umas letras aleatórias, para que depois de fechado o caderno conversassem entre elas, narrassem e comentassem o que cada uma delas viu, à sua maneira, as diferentes visões do mesmo horizonte.
Chego ao fim do caminho e com este outro se inicia e novas personagens já lá moram. Eu mesmo, mais velho, e outros, alguns que já nem neste presente estão, observam-me e sorriem.
Creio que também eles vêm o mesmo que eu não vejo.

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