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A mostrar mensagens de novembro, 2016

Sem dimensão ou universo

in Bird Magazine , 27/11/2016 Porventura e por ventura, o silêncio do que falo é tudo o que consigo fazer ouvir. Lamento que o quanto de tudo que recolho na vida seja inaudito, fica a bailar nos olhos, nalguma contracção muscular que faça erguer um sorriso ou na maré que, momentaneamente, possa trazer uma ondícula salgada até onde a minha parca vista alcança. Habito-me sem me sentir em casa, habituo-me sem me fazer quotidiano, os dias rimam apenas porque tombam e se penduram na armação invisível que se ergue em redor do que escrevo. Coroam-se as palavras, porque lhes louvo a ventura e ousadia de lavrarem o espaço que separa o meu sopro dos teus campos férteis, no entanto, nem bom vento, nem bom advento provém da atmosférica fronteira que me separa do que habito e de onde moro. Calcorreio por entre estrepes aguçadas o percurso, desencantado, por não saber de cor o nome das estrelas embora me faça por estrelar a cada sorriso de uns petizes, esses, sim, que não o sabem e por isso sã...

São nuvens

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in Correio do Porto , em 23/11/2016. Saberemos sorrir, porque nos turva o céu, mas entre o sorrir e o caminhar sobram espaços onde se escondem caminhos que por nunca percorridos, jamais foram trilhos. São uma espécie de meio termo entre a partida e a chegada. Um pouco como o silêncio a que nos remete a ausência, seja ela qual for ou de que espécie desejar. Vai-se sendo, ausente, até se desaparecer. Para mim qualquer final de recta de um par de carris bastaria, ou uma pequena ermida, erigida saberá deus a quem, bem longe das pequenas serpenteadas estradas por íngremes socalcos e gentes socalcadas, poderia até ser sempre noite, para vivermos para sempre maravilhados pela luzidia e trémula claridade que fica gravada na íris quando olhamos para uma estrela. Saboreio, ainda, cada sentimento que consigo compactar numa letra. Não fico admirado pelas palavras parecerem desconexas, não conseguiria fazer uma letra com apenas um sentimento, cada uma, letra, traz com ela várias impress...
Por entre as folhas de tília onde os teus passos molhados saciavam a tarde havia um vazio musicado, as goteiras solitárias cantavam no misto de silêncio de tudo que não vejo, talvez me tenha cultivado na cegueira e as raízes que o solo sustenta me levem devagar, devagarinho, para que não me ouçam no grito escuro de um sonho, sozinho.

Possivelmente possível

 in  BirdMagazine , 20/11/2016 “ Possivelmente possível” Por entre os pingos da chuva, na infinidade de espaços onde a água não se liquidificava, raiava o silêncio como se a estrada que nos levava lá fosse toda ela feita de soluços, como as sandálias a comprimirem o cascalho ou a túnica sacudida num vai e vem de gotículas a salpicar todas as outras que caíam. Quando o tempo se sobra e se permite a veleidades veladas a quem não se dispõe ao acaso, tudo sobra para que até as tardes de Outono saboreiem sossegadas o aroma tépido de uma mão cheia de castanhas e, depois, o enfarruscado abanar das palmas, uma na outra, a modos de corpos de gente que se degusta. Não há muito a redigir para quem, talvez como eu, uma ensolarada crepuscular idade basta para enternecer a visão gasta e os sentidos desapurados. Talvez por isso me perca um pouco a saborear o ruído do solo que se esmigalha a cada passo que dou pelo monte. Desconstruo as estradas por onde passo, faço por nem ...

O corpo come, mas é a alma que se alimenta.

Crónica na  Bird Magazine  13/11/2016 Escondi-me sem grande necessidade, não me viu chegar acorrentado que estava à pressa de fugir dos pingos que engrossavam a cada passo. Encostou-se ao primeiro muro que lhe deu garantia de protecção adicional contra este aguaceiro de chuva caduca e aninhou-se no chão, puxou dois renegados paralelos soltos da escravatura do solo e improvisou um banco. Abriu o enorme colorido guarda-chuva que lhe amparava os passos e, nestes dias farruscos, o abrigavam da sublimação que é caminhar em estado sólido sem se saber gasoso. Sentado, o guarda-chuva preso entre os joelhos, as varetas a tinirem quando o vendo se lembrava de açoitar um braço em redor de um vazio ainda não soprado. Todo ele, agora, parecia um acampamento, lateral à margem da morte ou da vida, aqui ao lado do portão forjado com letras de arcaísmos e números agrupados na memória de outras temporadas vazam já em dois séculos atrás. Quando o vento soprava, ao abrigo da distração da chuva...
Quando a sombra se dissipa na sombra do que visto já não é visto o calado rubor do que não sei dizer. As paredes caiam-se de silêncio a estrada arfa sob o estio e a palavra semeada soluça-me: tenho frio.
Soçobro com a pacatez da ausência, cada um de nós essencial na essência. Os caminhos onde me escondo percorrem-me como se a cada curva latejada fosse possível emergir o bojador, logo a mim, que nem em qual das mãos perdi a cor.