Escreverícia
Crónica de domingo na Bird Magazine.
Começo parado, ouço-as inquietas, afocinham por entre as minhas pernas, sacudo-as como se isso esmorecesse a vontade sôfrega que sentem de arrebanhar. Por fim, lá para o início, a vontade pare-se e ainda que vá a medo por desconhecer o caminho e o destino, calcorreio meia dúzia de pés e atolo-me outra meia dúzia deixando para trás crateras do tamanho daquilo que meteorei. Apoio-me num muro o suficiente para ele não cair para o lado de lá da leira, o xisto afiado pelo passar do tempo traz-me a recordação de telhados onde sob os quais me abriguei da chuva, aquela que cai em nuvens mundo abaixo até chegar ao fundo da carne e fica, ali, a fazer tinir os ossos.
Elas mordiscam aqui e ali, não há pasto que chegue para quem não tem fome e este gado sobra-me pelas mãos fora como se fossem a minha própria linha da vida e eu, na dúvida, porque nunca me passou um vagão pela mão, não sei que sulco é o meu, se este por onde seguro o atilho, se aquele por onde me escorre o suor brotado a cada sonho arrancado.
Tarda nada após me socorrer das pedras, ainda molhadas pelo nevoeiro, para me escorar, vêm elas dar-me cabeçadas nas pernas, inquietas do carai!, há um pouco de poesia no movimento, como se elas se auscultassem na sua mudez animal e no balir ensurdecedor do vento a vergastar a ramagem seca destes moinhos de vento que produzem barulho e movimento, apenas, a energia que não falta por aí atravessada e esganada, por vezes, num enxerto que se quer certo, há-de vir melhor no próximo estio, se connosco nada quiser o frio.
Vou subindo a custo a terra inclinada, neste lado não nasceu redonda, e parece-me que comigo o céu não quer nada, nem um braço estendido num uma tarde sentado na fraga, comigo. Em debandada, carreirinha como formiga obediente, aguentam-se ao caminho melhor do que eu, que oscilo entre o sôfrego e o semi-devaneio do cansaço que me oura e tolda o pensamento e, quando em vez, penso na facilidade que seria deixar-me cair ao para cá da inclinação, aos trambolhões, ou como Deus quisesse, podia ser até, vê lá tu, que esta borregada toda me amparasse a queda no manto branco tingido e eu adormecesse a pensar que o corpo fatigado, quase castigado, tinha chegado à alcofa que me pariu e deixasse a alma desapegada, esta sim, solta, espiralando universo acima até chegar para lá do criador.
Passo a mão na testa, o calor e a oura na moleirinha fazem a sua vítima, ao retomar o juízo vejo-as olharem para mim zombando e eu, olha, para aqui desajeitado ando. Quem anda, o passo seguinte sempre alcança.
Ultrapassado o cume, já com o cansaço na garganta em azedume, deito os olhos ao vale e suspiro. Há-de ser a isto que as nuvens deitam os olhos quando cá estão, penso, antes de começar a ganhar ânimo e descer o serrado monte, acompanhado por elas que se espalham, acredito que ansiosas também por lá chegarem, ao largo parando uma e outra vez, muito esporadicamente, como eu, pleonasmado, para me lançarem um olhar interrogativo, mas tu vens ou não?
Contorno algumas curvas imaginárias, não as há, as curvas, a imaginação, essa sobeja, para me demorar um pouco mais, como se saboreasse na boca um fruto que ainda não trinquei, antecipando a saciedade da vontade, como se a fome, sabendo que vai morrer, se entregasse às últimas recordações e fosse, também ela, deglutindo a sua ausência até desaparecer, no corpo e na mente.
Encosto a mão ao ferrolho, a medo, foram elas que aqui pararam, afunilando-se como que sabendo que lá dentro mora a morada delas, mas eu, inculto, nada sei de sabedoria animal se não esta que aprendi e mal!, demoro a compreender que querem entrar. A madeira da porta está tão gasta como a palavra que é dita e desdita, desencavo o ferrolho e sinto a aspereza das farpas que se eriçam ao meu toque, enquanto o ranger dolorido da dobradiça me chama com a solenidade com que o sino repica para a missa.
Entro, por entre elas que se assemelham a um tufo de nuvens alvas pareço um castanheiro no descampado. Agrada-me a analogia.
Deitam-se e eu vou, devagarinho, aconchegando uma e outra até me sentir realizador de mim mesmo, depois, bem, depois escrevo a data, fecho o caderno e, inocentemente, sei-o, sorrio.
Elas mordiscam aqui e ali, não há pasto que chegue para quem não tem fome e este gado sobra-me pelas mãos fora como se fossem a minha própria linha da vida e eu, na dúvida, porque nunca me passou um vagão pela mão, não sei que sulco é o meu, se este por onde seguro o atilho, se aquele por onde me escorre o suor brotado a cada sonho arrancado.
Tarda nada após me socorrer das pedras, ainda molhadas pelo nevoeiro, para me escorar, vêm elas dar-me cabeçadas nas pernas, inquietas do carai!, há um pouco de poesia no movimento, como se elas se auscultassem na sua mudez animal e no balir ensurdecedor do vento a vergastar a ramagem seca destes moinhos de vento que produzem barulho e movimento, apenas, a energia que não falta por aí atravessada e esganada, por vezes, num enxerto que se quer certo, há-de vir melhor no próximo estio, se connosco nada quiser o frio.
Vou subindo a custo a terra inclinada, neste lado não nasceu redonda, e parece-me que comigo o céu não quer nada, nem um braço estendido num uma tarde sentado na fraga, comigo. Em debandada, carreirinha como formiga obediente, aguentam-se ao caminho melhor do que eu, que oscilo entre o sôfrego e o semi-devaneio do cansaço que me oura e tolda o pensamento e, quando em vez, penso na facilidade que seria deixar-me cair ao para cá da inclinação, aos trambolhões, ou como Deus quisesse, podia ser até, vê lá tu, que esta borregada toda me amparasse a queda no manto branco tingido e eu adormecesse a pensar que o corpo fatigado, quase castigado, tinha chegado à alcofa que me pariu e deixasse a alma desapegada, esta sim, solta, espiralando universo acima até chegar para lá do criador.
Passo a mão na testa, o calor e a oura na moleirinha fazem a sua vítima, ao retomar o juízo vejo-as olharem para mim zombando e eu, olha, para aqui desajeitado ando. Quem anda, o passo seguinte sempre alcança.
Ultrapassado o cume, já com o cansaço na garganta em azedume, deito os olhos ao vale e suspiro. Há-de ser a isto que as nuvens deitam os olhos quando cá estão, penso, antes de começar a ganhar ânimo e descer o serrado monte, acompanhado por elas que se espalham, acredito que ansiosas também por lá chegarem, ao largo parando uma e outra vez, muito esporadicamente, como eu, pleonasmado, para me lançarem um olhar interrogativo, mas tu vens ou não?
Contorno algumas curvas imaginárias, não as há, as curvas, a imaginação, essa sobeja, para me demorar um pouco mais, como se saboreasse na boca um fruto que ainda não trinquei, antecipando a saciedade da vontade, como se a fome, sabendo que vai morrer, se entregasse às últimas recordações e fosse, também ela, deglutindo a sua ausência até desaparecer, no corpo e na mente.
Encosto a mão ao ferrolho, a medo, foram elas que aqui pararam, afunilando-se como que sabendo que lá dentro mora a morada delas, mas eu, inculto, nada sei de sabedoria animal se não esta que aprendi e mal!, demoro a compreender que querem entrar. A madeira da porta está tão gasta como a palavra que é dita e desdita, desencavo o ferrolho e sinto a aspereza das farpas que se eriçam ao meu toque, enquanto o ranger dolorido da dobradiça me chama com a solenidade com que o sino repica para a missa.
Entro, por entre elas que se assemelham a um tufo de nuvens alvas pareço um castanheiro no descampado. Agrada-me a analogia.
Deitam-se e eu vou, devagarinho, aconchegando uma e outra até me sentir realizador de mim mesmo, depois, bem, depois escrevo a data, fecho o caderno e, inocentemente, sei-o, sorrio.
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